terça-feira, 27 de agosto de 2019

O mistério de Clarice

Atentamente
Sua beleza me ocorre
Me confunde, me socorre
De tudo que já vi passar

Refletida
Nas retinas, um retrato
Meu rubor, um desacato
Contra o tempo que se esvai

É mais um dia
Sem ver seu olhar tão certo
Ainda que siga tão perto
Só me resta esperar

Mas Clarice
Faz do tempo seu domínio
Cumpre tudo com o fascínio
De quem sabe o que esperar

Clarice espera
Até vir o novo dia
Em que a sua companhia
Faz a espera terminar

E cada encontro
É certeza do que quero
A incerteza do que lembro
Vai ficando em seu lugar

Em meio a todos os dilemas
Ela chega e logo mostra
Tudo isso pouco importa
Porque importa o que será

Clarice passa e faz de conta
Que não se pode mais sofrer
Ela revela seus encantos
Como se fosse sem querer

Porque Clarice e seu mistério
De fazer tudo passar
Até parece que tudo sabe
Só porque me faz sonhar






terça-feira, 18 de abril de 2017

Recordar é viver (e nunca mais se deixar enganar):

Alguém liga a TV numa tarde de domingo. É 17 de abril de 2016. Por algum motivo todas as emissoras transmitem uma cerimônia muito peculiar, com gente engravatada, velha, branca e cafona. Em contraste com a aparente formalidade dos trajes e do cenário, o clima era festivo e os ânimos estavam exaltados. A julgar pelos cartazes certamente uma pessoa muito querida estava se despedindo. O desatento telespectador logo imagina uma festa de despedida. Mas não era uma festa qualquer. Essa merecia o discurso de cada um dos engravatados! E que demora... o dia inteiro ouvindo suas falas efusivas. Mas tinha algo errado. Era um misto de festa e indignação. De alguma forma as famílias daqueles senhores estavam todas exigindo que gritassem SIM nos seus discursos. Parecia ser a vontade de Deus aquela despedida.
É verdade que uma minoria tentou estragar a festa dizendo não... mas ninguém se importou muito. A festa já tinha até telão fazendo a contagem. Foi só esperar o fim dos discursos e comemorar como nunca com adereços em verde e amarelo. Depois deste 'grand finale' a transmissão termina e o telespectador se volta para a sala de jantar. O espetáculo pitoresco que acabara de ver gerava comentários fervorosos de todos ali na mesa.
Um ano exato se passou e na mesma sala de jantar estão os mesmos familiares. Dessa vez não há grandes cerimônias e festas de despedidas na TV. Apenas o Jornal Nacional. Curiosamente, os mesmos engravatados do ano passado voltaram a aparecer. Eles devem mesmo ser gente muito importante e bem sucedida - pensou nosso telespectador. Como se não bastasse a fama, ainda ganham várias delações premiadas! Sorte a deles! Enquanto isso, na sala de jantar a comida é pior, a TV é menor e os familares estão desempregados ou vivendo de bicos. A verdade é que ninguém ali parecia muito animado com o futuro. Apesar disso, embora nosso personagem fosse um telespectador desatento, teve ao menos uma certeza: foi um grande ano para os senhores engravatados.

sábado, 9 de julho de 2016

Recomeço

Tudo é breve
Da folha que cai
ao corpo que jaz
Das grandes odisseias
ao amor de uma única noite

Tudo é movimento
Justo por tudo ser breve
a indiferença mais mesquinha
ou a paixão mais intensa
se diluem frente ao relógio

Nós somos anda mais breves
Mas uma breviedade inquieta
imune à indiferença
nem o maior dos nilistas consegue ignorar
as agruras e belezas da vida

Gostamos das coisas breves
de lembrar os décimos de segundo
do momento perfeito, o sorriso
que lhe fita e tira o fôlego
do grande feito à ação inesperada

Mas tememos as coisas breves
Como quem não percebe
o pouco que vai nos restar
se na ânsia de evitar vivê-las
nos perdemos em nossa breviedade

E de tanto gostar e temer
Fugir e encontrar
É hora de recomeçar, de novo
Porque tudo é movimento.
E a indiferença não é opção

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Interpessoalidades

Te vi
Como quem não saberia dizer
Exatamente o que se poderia viver
Depois
De tudo aquilo que disse

Corri
Por ti
Como quem não poderia prever
As coisas que me fazem dizer
Aqui, o antes e o depois

Sorria
Por cada sorriso
Que insistia em oferecer
Como quem não sabia o porque
De fazer sofrer sem sofrer

Vi
No imperfeito reflexo
De um espelho convexo
Perfeitos remédios
Para um delírio mental

É real!
Como quem mal poderia arriscar
A palavra tornou a se esconder
Até um quase amanhecer
Era hora de acordar

Aqui
Mais um dia senti
Falta daquele que sorriu
Enquanto sobra a certeza que vivi
Aqui e antes

Depois
Aquele que sorriu
Com este que correu
Aliado ao que sentiu
dependerá de Outro

Outro que de angústia eterna
Vai sempre sobreviver
Como quem ainda não sabe dizer
Exatamente como se poderá viver
Depois daquilo que irá dizer.



segunda-feira, 9 de junho de 2014

Ia

Ia

Queria fazer
Queria ter feito
Queria ter impedido
Sim, queria

Talvez fosse mania
de tanto achar que ia
do corpo que adormecia
O peito se encheu de dor
(É mais um poema de amor)

Meu mundo se acabou
e vive a se acabar
em cada canto de mundo
que sou e não estou
que estou e nunca fui
que nunca serei como sou

Êta tempo a nos consumir
Mas por aqui não se para de sonhar
é o querer sem poder alcançar
é o amor que nunca vai vir

Quero poder suplicar
para o açoite enfim paralisar
Mas há recusa por tamanha gritaria
Não quero mais, apenas queria.

Ao menos ainda posso amar
para suportar tanta melancolia
Mas criticaram por ser vulgar
Não amo mais, apenas amaria.

É tanto sonho
que se deixa de realizar
É tanta vida
que se deixa escapar
que se estivessem em sintonia
por serem esmagadora maioria
aí sim, se viveria.

domingo, 28 de julho de 2013

Ode ao amor

Escrevo essas linhas tortas
Certo que abro as portas
Para o grito d'alma sair

Longe de ter vindo do céu
Não pôde reter-se ao corpo
E se derrama incerto no papel

Tuas palavras são flerte
Enchem de brilho o olhar
Tudo que é vida, irão declamar
Pelo meu corpo que jaz, inerte

Queria eu dominar esse jogo
Que de mim só retira
Queria eu poder captar em ti
Toda a luz que me inspira

Queria eu repassar,
Sem que meus versos
Me sejam incertos
O que inquieta o peito

Sim, queria...
Mas isto já não seria possível
Tampouco me é palpável
Nomear tais devaneios

Ainda assim, reluto
Nesse sopro de emoção
Esvai incerto intento último
De descrever teus encantos

De resto, não reclamo
Ainda que faltem palavras plenas
Sem que precise conjugar
Me basta sentir que amo.

sábado, 25 de maio de 2013

Bela

A noite é bela,
Desfaz os medos, os ascos
Retira a luz dos cacos 
Da vida que não nos resta


No brindar dos copos
No entrelaçar dos corpos
Faz-nos romper com ilusões terrenas
Faz despertar as paixões diversas

A noite é rara,
Pouco escapa da sobriedade
Pouco se liberta do dissabor diurno
Pouco, muito pouco...

Mas há de haver noite,
Ao menos em algumas noites
Para estancar esse samba dolente
Para embriagar-nos de felicidade

E certa vez, houve noite
Uma bela noite.
Bela, talvez a mais bela
Das noites.