Ao menos um costume se
manteve: a rota traçada. Maria se aproximou do restaurante francês com vista
para a praia a que sempre visitava. No entanto, não chegava com um de seus
carros de luxo como ocorria comumente. Para o espanto dos funcionários, das amigas
que lhe aguardavam e do desgosto da própria Maria, esta havia chegado a pé. O
restaurante, frequentado apenas por negros, centrou todas as suas atenções
naquela figura atônita e ofegante; apesar da maneira que chegara, logo
percebeu-se que suas vestimentas e sua cor estavam de acordo com os clientes
que ali frequentam.
Se dirigiu rapidamente para as duas mulheres - ambas negras, como era de se esperar- já vociferando o desastre que acontecera.
- É o caos! O caos! Acabo de perder todo o dinheiro, irei a falência.
- Maria, como pode ser possível? e a empresa, a casa, as ações? - pergunta uma das duas amigas, Maria dos Bancos, quase branca tamanha sua incredulidade.
- Tudo se foi, eu depositei confiança demais naquele... naquele degenerado - diz como se não acreditasse no que acabara de falar.
- E quem seria esse sujeito?
- O empregado! O branco, o europeu! nós o tiramos da favela para lhe dar emprego e assim que ele retribui... Ele obteve meus dados e retirou todo o meu dinheiro!
As amigas entreolharam-se demonstrando um sorriso discreto, desapontadas com o excesso de bondade da amiga. Viram que precisavam ser duras com ela.
- Maria dos Lenços, parece que esquece quem somos - afirma taxativa Maria da Seda, sua sócia até então. Nós estamos na mais alta classe da sociedade, precisamos ser frias para dominá-la. Nós, mulheres, negras, mandamos na família e comandamos os negócios, não podemos dar espaço para esses branquinhos meliantes. Caridade só nos serve como forma de lucro minha querida, como pôde dar seus dados a este empregado?
- Não sei, é tudo por culpa do meu marido. Vocês o conhecem, é um idealista. Crê na igualdade de gênero e de raça. Eu penso feito vocês, por mim isso nunca aconteceria...
- Comunistas! - bradou Maria dos Bancos indignada - Eis o que são! Não merecem participar do seleto grupo que compomos. Veja só, uma industrial casada com um idealista que insiste que os homens não devem ser submissos a nós, mulheres! Pior, uma industrial que admira esse parceiro que vive tentando desconstruir o mito da democracia racial que nós, com muito empenho e habilidade, repassamos a toda a sociedade. Se dependesse de você Maria, estariam sentados aqui brancos e negros, na mesma proporção. Você é igual a ele!
- Não é verdade! Por favor, escutem - diz rogando às Marias - , admiro sim essa crença do meu marido, mas, vejam, é uma criança apenas, vivendo de sua utopia. Imaginem se eu, Maria dos lenços, iria apoiar tamanha insensatez. Vejo beleza em sua inocência, não acredito que há o que temer. Nós nunca permitiríamos as mudanças que ele tanto deseja.
Por um momento, o silêncio persiste. Realçando as expressões amargas de desaprovação e intransigência de Maria dos Bancos e Maria da Seda. Sem demonstrar interesse e de maneira impaciente, Maria dos Bancos decide quebrar o silêncio, já buscando finalizar aquela reunião lamentável.
- Então me deixe adivinhar: diante deste desastre você convoca sua soberana e sua sócia para tentar comovê-las e retomar sua produção de lenços. Sinto muito, mas... - é interrompida por Maria dos Lenços.
- Dos Bancos, tente avaliar, aceito empréstimo sob quaisquer juros, possuo muitos bens. Não lhe trarei prejuízos, garanto. E da Seda, somos sócias, há muitos favores que fizemos uma para a outra, peço-lhe apenas uma retribuição.
As duas balançam a cabeça negativamente. Como que se divertissem e já contassem com o desastre da ex- amiga. Enquanto que, ao mesmo tempo, um carro de luxo para em frente ao restaurante. Era a deixa para que Maria dos Bancos finalizasse aquela reunião.
- Você não entende. Você não está do nosso lado. É uma aberração como industrial. Uma traidora da classe! Sinto muito Maria dos Lenços, mas claramente não é digna de nossa posição, merece ser substituída. E é o que irá acontecer agora.
Sem dar tempo para Maria dos lenços conceber uma resposta, dos Bancos volta a falar imediatamente:
- Por favor, garçom, retire esta senhora de minha mesa. E, também, encaminhe o homem que acaba de entrar para ocupar este assento.
O garçom, negro, assim que avistou o homem em questão, a olhou assutado. Após algum tempo de introspecção virou-se para ela dizendo:
- Mas... madame, tem certeza? ele... você sabe, é branco - questiona incrédulo.
- Tenho sim, não é um branco qualquer rapaz. Primeiro tire essa senhora - aponta para Maria dos Lenços -, depois Atenda-o e encaminhe para cá.
Dos Lenços resiste, sabe que toda a sua vida irá mudar no momento em que for retirada daquela cadeira. Sua tristeza, não obstante, passou a ser acompanhada por uma visão inesperada.
- É ele! É ele! - bradou insistentemente, como se não acreditasse- O empregado, que me assaltou! Como ousa estar aqui? Irá devolver toda minha fortuna... - sua fala é abruptamente interrompida por um segurança do restaurante que a retira da cadeira.
- Você, - diz Maria da Seda apontando para o ex-empregado- sente-se aqui, temos muito o que tratar. Já tem um nome?
- Não, não senhora - diz enquanto senta-se na cadeira -, sentar nesta cadeira era tudo o que queria. De resto, a Maria dos Bancos pode escolher.
- É bom que seja assim- diz dos Bancos satisfeita. Incrível! Vem da favela, é branco e mostra-se mais consciente que a antiga dona dos lenços. Chega a nos fazer acreditar na democracia racial hein? - todos riem. Seu nome não será problema, chama-se agora João dos lenços. Satisfeito?
- Muitíssimo, é um nome de muito bom gosto, só espero agora ser um bom súdito.
Ao fundo, ex-Maria dos Lenços anda de um lado para o outro, insatisfeita com a situação.
- Ei, vocês não podem aceitar isso! É um branco, um ladrão. Não merece essas regalias. Sua aceitação será o início da perdição de vocês!
- Silêncio! ex-Maria dos Lenços, este restaurante não é seu lugar mais - diz aborrecida das Sedas. Está do outro lado agora, vá se juntar ao seu idealista. Temos um negócio a tratar. João dos lenços e eu pretendemos ser sócios, se nos dá licença...
- É exatamente o que farei, - diz ex- dos lenços, tomada de raiva - mas não se espantem se esta iniciativa de hoje, justamente esta situação infeliz que promovem, do homem branco sentado de igual para igual com vocês, desencadeie o fim de toda a submissão deles. Estão possibilitando a igualdade de mulheres e homens! De brancos sendo iguais ao negros! Não se espantem se um dia os homens e os brancos passem a dominar a sociedade, não sabem o que fazem...
Sua declaração provocou, imediatamente, uma gargalhada geral no restaurante, que perdurou mesmo depois de ex-dos Lenços partir em retirada, sabendo que nunca mais voltaria àquela cadeira. Terminada a gargalhada, todos voltaram ao ritmo normal. Antes de dar prosseguimento aos negócios, Maria dos Bancos ainda comentou:
- Veja só! Homens dominando a família e brancos dominando as classes altas da sociedade. É uma desvairada, claramente não poderia continuar entre nós. Não acham?
Se dirigiu rapidamente para as duas mulheres - ambas negras, como era de se esperar- já vociferando o desastre que acontecera.
- É o caos! O caos! Acabo de perder todo o dinheiro, irei a falência.
- Maria, como pode ser possível? e a empresa, a casa, as ações? - pergunta uma das duas amigas, Maria dos Bancos, quase branca tamanha sua incredulidade.
- Tudo se foi, eu depositei confiança demais naquele... naquele degenerado - diz como se não acreditasse no que acabara de falar.
- E quem seria esse sujeito?
- O empregado! O branco, o europeu! nós o tiramos da favela para lhe dar emprego e assim que ele retribui... Ele obteve meus dados e retirou todo o meu dinheiro!
As amigas entreolharam-se demonstrando um sorriso discreto, desapontadas com o excesso de bondade da amiga. Viram que precisavam ser duras com ela.
- Maria dos Lenços, parece que esquece quem somos - afirma taxativa Maria da Seda, sua sócia até então. Nós estamos na mais alta classe da sociedade, precisamos ser frias para dominá-la. Nós, mulheres, negras, mandamos na família e comandamos os negócios, não podemos dar espaço para esses branquinhos meliantes. Caridade só nos serve como forma de lucro minha querida, como pôde dar seus dados a este empregado?
- Não sei, é tudo por culpa do meu marido. Vocês o conhecem, é um idealista. Crê na igualdade de gênero e de raça. Eu penso feito vocês, por mim isso nunca aconteceria...
- Comunistas! - bradou Maria dos Bancos indignada - Eis o que são! Não merecem participar do seleto grupo que compomos. Veja só, uma industrial casada com um idealista que insiste que os homens não devem ser submissos a nós, mulheres! Pior, uma industrial que admira esse parceiro que vive tentando desconstruir o mito da democracia racial que nós, com muito empenho e habilidade, repassamos a toda a sociedade. Se dependesse de você Maria, estariam sentados aqui brancos e negros, na mesma proporção. Você é igual a ele!
- Não é verdade! Por favor, escutem - diz rogando às Marias - , admiro sim essa crença do meu marido, mas, vejam, é uma criança apenas, vivendo de sua utopia. Imaginem se eu, Maria dos lenços, iria apoiar tamanha insensatez. Vejo beleza em sua inocência, não acredito que há o que temer. Nós nunca permitiríamos as mudanças que ele tanto deseja.
Por um momento, o silêncio persiste. Realçando as expressões amargas de desaprovação e intransigência de Maria dos Bancos e Maria da Seda. Sem demonstrar interesse e de maneira impaciente, Maria dos Bancos decide quebrar o silêncio, já buscando finalizar aquela reunião lamentável.
- Então me deixe adivinhar: diante deste desastre você convoca sua soberana e sua sócia para tentar comovê-las e retomar sua produção de lenços. Sinto muito, mas... - é interrompida por Maria dos Lenços.
- Dos Bancos, tente avaliar, aceito empréstimo sob quaisquer juros, possuo muitos bens. Não lhe trarei prejuízos, garanto. E da Seda, somos sócias, há muitos favores que fizemos uma para a outra, peço-lhe apenas uma retribuição.
As duas balançam a cabeça negativamente. Como que se divertissem e já contassem com o desastre da ex- amiga. Enquanto que, ao mesmo tempo, um carro de luxo para em frente ao restaurante. Era a deixa para que Maria dos Bancos finalizasse aquela reunião.
- Você não entende. Você não está do nosso lado. É uma aberração como industrial. Uma traidora da classe! Sinto muito Maria dos Lenços, mas claramente não é digna de nossa posição, merece ser substituída. E é o que irá acontecer agora.
Sem dar tempo para Maria dos lenços conceber uma resposta, dos Bancos volta a falar imediatamente:
- Por favor, garçom, retire esta senhora de minha mesa. E, também, encaminhe o homem que acaba de entrar para ocupar este assento.
O garçom, negro, assim que avistou o homem em questão, a olhou assutado. Após algum tempo de introspecção virou-se para ela dizendo:
- Mas... madame, tem certeza? ele... você sabe, é branco - questiona incrédulo.
- Tenho sim, não é um branco qualquer rapaz. Primeiro tire essa senhora - aponta para Maria dos Lenços -, depois Atenda-o e encaminhe para cá.
Dos Lenços resiste, sabe que toda a sua vida irá mudar no momento em que for retirada daquela cadeira. Sua tristeza, não obstante, passou a ser acompanhada por uma visão inesperada.
- É ele! É ele! - bradou insistentemente, como se não acreditasse- O empregado, que me assaltou! Como ousa estar aqui? Irá devolver toda minha fortuna... - sua fala é abruptamente interrompida por um segurança do restaurante que a retira da cadeira.
- Você, - diz Maria da Seda apontando para o ex-empregado- sente-se aqui, temos muito o que tratar. Já tem um nome?
- Não, não senhora - diz enquanto senta-se na cadeira -, sentar nesta cadeira era tudo o que queria. De resto, a Maria dos Bancos pode escolher.
- É bom que seja assim- diz dos Bancos satisfeita. Incrível! Vem da favela, é branco e mostra-se mais consciente que a antiga dona dos lenços. Chega a nos fazer acreditar na democracia racial hein? - todos riem. Seu nome não será problema, chama-se agora João dos lenços. Satisfeito?
- Muitíssimo, é um nome de muito bom gosto, só espero agora ser um bom súdito.
Ao fundo, ex-Maria dos Lenços anda de um lado para o outro, insatisfeita com a situação.
- Ei, vocês não podem aceitar isso! É um branco, um ladrão. Não merece essas regalias. Sua aceitação será o início da perdição de vocês!
- Silêncio! ex-Maria dos Lenços, este restaurante não é seu lugar mais - diz aborrecida das Sedas. Está do outro lado agora, vá se juntar ao seu idealista. Temos um negócio a tratar. João dos lenços e eu pretendemos ser sócios, se nos dá licença...
- É exatamente o que farei, - diz ex- dos lenços, tomada de raiva - mas não se espantem se esta iniciativa de hoje, justamente esta situação infeliz que promovem, do homem branco sentado de igual para igual com vocês, desencadeie o fim de toda a submissão deles. Estão possibilitando a igualdade de mulheres e homens! De brancos sendo iguais ao negros! Não se espantem se um dia os homens e os brancos passem a dominar a sociedade, não sabem o que fazem...
Sua declaração provocou, imediatamente, uma gargalhada geral no restaurante, que perdurou mesmo depois de ex-dos Lenços partir em retirada, sabendo que nunca mais voltaria àquela cadeira. Terminada a gargalhada, todos voltaram ao ritmo normal. Antes de dar prosseguimento aos negócios, Maria dos Bancos ainda comentou:
- Veja só! Homens dominando a família e brancos dominando as classes altas da sociedade. É uma desvairada, claramente não poderia continuar entre nós. Não acham?
- Certamente
dos Bancos, certamente... –disseram da Seda e João com absoluta tranquilidade e
certeza.
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