sábado, 8 de setembro de 2012

      A orla de Copacabana nunca passara tão despercebida à Maria dos Lenços. Sua costumeira tranquilidade nos passos a fim de desfrutar das belezas naturais do nobre bairro carioca fora rompida. A imagem causou estranheza. O cordão e as pulseiras de ouro e o anel com diamante reluzindo sob um sol escaldante, ao mesmo tempo em que movimentavam-se freneticamente, não era uma cena vista todo dia. Maria era conhecida no bairro, porém talvez mais conhecidos eram seus costumes elitistas. ''Ando vagarosamente para demonstrar não ser parte desses que precisam ir e vir para bater ponto, é uma questão de status'' - ela sempre dizia. Vê-la correr - isso mesmo, correr! Em pleno horário de rush se tratava de algo inimaginável.
     Ao menos um costume se manteve: a rota traçada. Maria se aproximou do restaurante francês com vista para a praia a que sempre visitava. No entanto, não chegava com um de seus carros de luxo como ocorria comumente. Para o espanto dos funcionários, das amigas que lhe aguardavam e do desgosto da própria Maria, esta havia chegado a pé. O restaurante, frequentado apenas por negros, centrou todas as suas atenções naquela figura atônita e ofegante; apesar da maneira que chegara, logo percebeu-se que suas vestimentas e sua cor estavam de acordo com os clientes que ali frequentam.
     Se dirigiu rapidamente para as duas mulheres - ambas negras, como era de se esperar- já vociferando o desastre que acontecera.
     - É o caos! O caos! Acabo de perder todo o dinheiro, irei a falência.
     - Maria, como pode ser possível? e a empresa, a casa, as ações? - pergunta uma das duas amigas, Maria dos Bancos, quase branca tamanha sua incredulidade.
     - Tudo se foi, eu depositei confiança demais naquele... naquele degenerado - diz como se não acreditasse no que acabara de falar.
     - E quem seria esse sujeito?
     - O empregado! O branco, o europeu! nós o tiramos da favela para lhe dar emprego e assim que ele retribui... Ele obteve meus dados e retirou todo o meu dinheiro!
     As amigas entreolharam-se demonstrando um sorriso discreto, desapontadas com o excesso de bondade da amiga. Viram que precisavam ser duras com ela.
     - Maria dos Lenços, parece que esquece quem somos - afirma taxativa Maria da Seda, sua sócia até então. Nós estamos na mais alta classe da sociedade, precisamos ser frias para dominá-la. Nós, mulheres, negras, mandamos na família e comandamos os negócios, não podemos dar espaço para esses branquinhos meliantes. Caridade só nos serve como forma de lucro minha querida, como pôde dar seus dados a este empregado?
     - Não sei, é tudo por culpa do meu marido. Vocês o conhecem, é um idealista. Crê na igualdade de gênero e de raça. Eu penso feito vocês, por mim isso nunca aconteceria...
     - Comunistas! - bradou Maria dos Bancos indignada - Eis o que são! Não merecem participar do seleto grupo que compomos. Veja só, uma industrial casada com um idealista que insiste que os homens não devem ser submissos a nós, mulheres! Pior, uma industrial que admira esse parceiro que vive tentando desconstruir o mito da democracia racial que nós, com muito empenho e habilidade, repassamos a toda a sociedade. Se dependesse de você Maria, estariam sentados aqui brancos e negros, na mesma proporção. Você é igual a ele!
     - Não é verdade! Por favor, escutem - diz rogando às Marias - , admiro sim essa crença do meu marido, mas, vejam, é uma criança apenas, vivendo de sua utopia. Imaginem se eu, Maria dos lenços, iria apoiar tamanha insensatez. Vejo beleza em sua inocência, não acredito que há o que temer. Nós nunca permitiríamos as mudanças que ele tanto deseja.
     Por um momento, o silêncio persiste. Realçando as expressões amargas de desaprovação e intransigência de Maria dos Bancos e Maria da Seda. Sem demonstrar interesse e de maneira impaciente, Maria dos Bancos decide quebrar o silêncio, já buscando finalizar aquela reunião lamentável.
     - Então me deixe adivinhar: diante deste desastre você convoca sua soberana e sua sócia para tentar comovê-las e retomar sua produção de lenços. Sinto muito, mas... - é interrompida por Maria dos Lenços.
     - Dos Bancos, tente avaliar, aceito empréstimo sob quaisquer juros, possuo muitos bens. Não lhe trarei prejuízos, garanto. E da Seda, somos sócias, há muitos favores que fizemos uma para a outra, peço-lhe apenas uma retribuição.
     As duas balançam a cabeça negativamente. Como que se divertissem e já contassem com o desastre da ex- amiga. Enquanto que, ao mesmo tempo, um carro de luxo para em frente ao restaurante. Era a deixa para que Maria dos Bancos finalizasse aquela reunião.
     - Você não entende. Você não está do nosso lado. É uma aberração como industrial. Uma traidora da classe! Sinto muito Maria dos Lenços, mas claramente não é digna de nossa posição, merece ser substituída. E é o que irá acontecer agora.
     Sem dar tempo para Maria dos lenços conceber uma resposta, dos Bancos volta a falar imediatamente:
     - Por favor, garçom, retire esta senhora de minha mesa. E, também, encaminhe o homem que acaba de entrar para ocupar este assento.
     O garçom, negro, assim que avistou o homem em questão, a olhou assutado. Após algum tempo de introspecção virou-se para ela dizendo:
     - Mas... madame, tem certeza? ele... você sabe, é branco - questiona incrédulo.
     - Tenho sim, não é um branco qualquer rapaz. Primeiro tire essa senhora - aponta para Maria dos Lenços -, depois Atenda-o e encaminhe para cá.
     Dos Lenços resiste, sabe que toda a sua vida irá mudar no momento em que for retirada daquela cadeira. Sua tristeza, não obstante, passou a ser acompanhada por uma visão inesperada.
     - É ele! É ele! - bradou insistentemente, como se não acreditasse- O empregado, que me assaltou! Como ousa estar aqui? Irá devolver toda minha fortuna... - sua fala é abruptamente interrompida por um segurança do restaurante que a retira da cadeira.
     - Você, - diz Maria da Seda apontando para o ex-empregado- sente-se aqui, temos muito o que tratar. Já tem um nome?
     - Não, não senhora - diz enquanto senta-se na cadeira -, sentar nesta cadeira era tudo o que queria. De resto, a Maria dos Bancos pode escolher.
     - É bom que seja assim- diz dos Bancos satisfeita. Incrível! Vem da favela, é branco e mostra-se mais consciente que a antiga dona dos lenços. Chega a nos fazer acreditar na democracia racial hein? - todos riem. Seu nome não será problema, chama-se agora João dos lenços. Satisfeito?
     - Muitíssimo, é um nome de muito bom gosto, só espero agora ser um bom súdito.
     Ao fundo, ex-Maria dos Lenços anda de um lado para o outro, insatisfeita com a situação.
     - Ei, vocês não podem aceitar isso! É um branco, um ladrão. Não merece essas regalias. Sua aceitação será o início da perdição de vocês!
     - Silêncio! ex-Maria dos Lenços, este restaurante não é seu lugar mais - diz aborrecida das Sedas. Está do outro lado agora, vá se juntar ao seu idealista. Temos um negócio a tratar. João dos lenços e eu pretendemos ser sócios, se nos dá licença...
     - É exatamente o que farei, - diz ex- dos lenços, tomada de raiva - mas não se espantem se esta iniciativa de hoje, justamente esta situação infeliz que promovem, do homem branco sentado de igual para igual com vocês, desencadeie o fim de toda a submissão deles. Estão possibilitando a igualdade de mulheres e homens! De brancos sendo iguais ao negros! Não se espantem se um dia os homens e os brancos passem a dominar a sociedade, não sabem o que fazem...
     Sua declaração provocou, imediatamente, uma gargalhada geral no restaurante, que perdurou mesmo depois de ex-dos Lenços partir em retirada, sabendo que nunca mais voltaria àquela cadeira. Terminada a gargalhada, todos voltaram ao ritmo normal. Antes de dar prosseguimento aos negócios, Maria dos Bancos ainda comentou:
     - Veja só! Homens dominando a família e brancos dominando as classes altas da sociedade. É uma desvairada, claramente não poderia continuar entre nós. Não acham?
     - Certamente dos Bancos, certamente... –disseram da Seda e João com absoluta tranquilidade e certeza.  

domingo, 12 de agosto de 2012

Cotidiano de Maria

    Maria perdeu seu sorriso, e dele ela vivia. Não houve aviso, muito menos abrigo para a vida que daí viria. Seus jovens ciganos, com seus 15 anos, mal falar podiam. E agora Maria? - perguntava a vizinha. Seu dono fugira, tudo do pouco levara, sobrara apenas quentinha que a vizinha doara.
    Mas não desista Maria, o dia apenas começara, a barriga que mais uma vez crescia deve ser motivo para nova alegria. Devota que é, sorria sem mostrar os dentes, pensava na vinda da nova boca, do novo presente. Haveria comida para aquele contingente? - Calculava Maria, contando vida por vida e projetando morte aos piores filhotes.
    Tristonha que ia, com rebanho mais leve, Maria sofria sem direito a pileque. Porém, ainda assim seguia, sem nem saber que sofria, ela apenas não entendia: ''Muié sem macho é gado sem dono. Coisa boa isso não daria''-  ela sempre dizia. No entanto, nunca desistia, creu todos os dias no retorno de sua alegria, no término de sua dolorosa carestia. O retorno que nunca ocorreria mantinha-se nos sonhos de Maria: ''Ah, ele há de retornar! Para meu rebanho alimentar, para a minha vidinha contornar. Esses meus sofrimentos têm de acabar.''
     Mas não sabia Maria que sua vida era poesia, achava o viver sinônimo de melancolia. Ai Maria, mal sabe que su'alma em breve ressurgiria. Seu vil dono de seus sonhos sumiria, e os sonhos de mãe, de mulher se tornariam.
    Para isso, um tanto demoraria, até lá a barriga esvaziar-se-ia. Pré natal Maria nem conhecia, a porta do SUS era a única que se abria, no qual, sob um risco enorme,ela se internaria. Sem poder ter anestesia, através de enfermeiro operaria. Mas não temam, por sorte, destino ou magia, agora existiam duas Marias. Maria-sem-dono e Maria-sem-pai, unidas no sofrer e no nome, Marias sem presente, Marias sem futuro. Viviam tangendo o morrer, morriam sem muito poder conhecer.
     Sem creche e sem leite, Maria-sem-pai acompanhava a mãe no batente, enquanto o resto do rebanho era taxado de delinquente. Muito orgulho ela tinha, contudo, daqueles filhos eloquentes. Pois convenciam muitos a passar-lhes os pertences. Maria temia se seus argumentos não fossem suficientes, sofria pela chegada deste dia iminente.
     Não demorou, e o primeiro foi pego de repente. Maria, ainda sem alforria, aquela fiança nunca pagaria. O pouco de vida restante desabou em um estante. Maria, não obstante, perdeu a alegria, o trabalho logo a demitira e agora fora fome que o rebanho sentira.
     Maria ficou um tempo em agonia, observava seus filhotes chorando, patas abertas implorando...ela teve que se transformar, haviam muitas bocas a alimentar. Então Maria pôs-se a andar, para aprender a labutar. Mas labuta que alimente para Maria era excludente, e, não por acidente,em pouco tempo o lar de Maria não mais lhe pertenceria.
      Pobre Maria, mendiga se tornaria, de moeda em moeda seu rebanho comeria. Mas, ''E agora Maria?'' - lembrava da pergunta de sua vizinha. Fardada a morte lenta, Maria disse não. Quisera deixar de esperar, esquecera completamente de seu dono, percebera que não podia ser apenas mãe. Maria precisava tornar-se mulher, queria tornar-se mulher.
      Levantou, conversou e conheceu o que nunca pudera conhecer. Passou um período a apenas aprender e, claro, a alimento receber. Maria aprendeu a conjugar, vivia agora a ''ocupar'', e no pretérito imperfeito foi-se o ''acatar''. Agora mulher, vivia a lecionar, para Maria-sem-pai esse caminho também trilhar. Futuro ainda não tinham, presente persistia árduo, mas agora Maria, que havia perdido o sorriso, já o tinha mais uma vez. Era um sorriso diferente, mais vívido e melhor que o de outras Marias. Tristes Marias, sem brilho, com donos. Marias vazias, sem vida, sem planos...vivendo dos sorrisos, que sorriem por engano.

domingo, 29 de julho de 2012

O último soldado

Sois vossos passos que caminham cansados
Sois vossas trevas, vosso cálice inacabado
Pois mortos, não teremos volta,
Pois vivos, não teremos fim.

Sois vossa escória e vossa inconsequência
Vossa criação, estúpida e ordinária
antes convertidos em novos soldados
em nome da pátria grande que nos matava

Soldados tristes, mudos, 
deslocados no tempo imóvel 
da execução sumária do ser
mas, em tempo, estes pereceram

Surgiu outro, o último soldado 
Lento e generoso, chegou e se instalou
Nos lares das famílias, surdas e simplórias
Negou sua pátria, seu chão, seus criadores

Revelou-se ingrato, sujo e perseguido
Mas ganhou abrigo, novos braços e ouvidos
que seguiram sua sina, sua última rima
para viverem juntos, neste sonho proibido  

O soldado da alegria, da guerra dos cientes
Das promessas belas e das fábulas eternas
Caminha em seu verso único, simples e amável
Preparando-se para a última dor inevitável

A dor de vossos soldados, criações obedientes
que embateriam seus irmãos, imemoráveis dissidentes
Meliantes profanos da desordem delinquente
não merecedores do perdão, das pátrias includentes

Vosso ódio, porém, nada pôde fazer
vossa vontade não pudera ser correspondida
o último soldado estava a festejar e cantar  
em cada rua da cidade vociferando seu fim iminente 

Não houve embate, tampouco sangue
venceram todos, perderam poucos
vosso privilégio restituiu nossa igualdade
e nossos soldados, foram os últimos soldados.

domingo, 3 de junho de 2012


Mudaram os termos, os medos, os quadros
enfatizaram o novo, o livre e o mercado,
déspota de nossos tempos, foi divinizado

Expuseram em todas as vitrines,
anunciaram em todas as cidades,
esqueçam a utopia,
venham servir a burguesia

Irrompe, assim como no passado,
a subserviência dos povos domados
ludibriados pelo brilho intangível
que nos é apresentado

Enquanto nos subúrbios e na central
apresentam-se os filhos do capital
dos mais mimados até os bastardos
ambos fingindo não estarem lado a lado

Em meio a fome, um gesto nobre:
solidariedade para ajudar o pobre
em suas fotos, estão sorridentes
mas nas ruas continuam indigentes

O ópio nas massas se instala,
''que haja pão e haja circo na senzala!''
na contramão, os revoltados
os que tiveram seus direitos revogados

Consolida-se a ''paz'', sorrindo opressora
intimida-se a voz, que perde sua força
silenciada em plena luz do dia
pelo produto de sua própria mais valia

Mas oh, cultura nefasta,
por que persiste em durar tanto?
sua eficiência em se manter no poder
nos remete ao desencanto

Mas em cantos e recantos
há de ter meios para tanto
afinal, ganância pós ganância,
não sobrarão nem seus bancos  

Nos resta, portanto,
buscar lembrar de toda a escória
buscar coragem em outros tantos
e destituir essa memória.

A alforria dos novos tempos
presenteará as novas gerações,
fará sucumbir os desalentos,
em uma existência sem grilhões.








sexta-feira, 13 de abril de 2012

   O governo do Rio de Janeiro está mais uma vez negligenciando o desejo de sua população. A polêmica em questão se dá na construção do metrô do rio, a situação desconsidera os preceitos democráticos, já que, mesmo com ampla desaprovação popular, o traçado a ser construído caminha para ser aquele desejado apenas pelo governo e suas ramificações de interessados. Na audiência pública, obrigatória por lei, realizada acerca do projeto, tivemos um exemplo da insignificância da vontade da sociedade para a resolução final do debate. Houve nela a massiva rejeição pelos seus participantes e, ainda assim, não foi suficiente para o projeto ser reconsiderado   


 A questão pode ser evidenciada na foto abaixo:

  Apoiado pela população, o traçado original, o que inclui a linha 4, interliga diversas áreas de modo que satisfaça a demanda da população em sua ida diária ao trabalho e haveria maior facilidade para alcançar a Zona Portuária, apoiando os fortes investimentos que estão sendo feitos para ser revitalizada; enquanto o projeto do governo consiste, basicamente, em apenas uma extensão da linha 1 pré existente, essa iniciativa geraria sobrecarga nos trens que passam pela Zona Sul, que, por sinal, já estão saturados.Com isso é realizado um projeto caríssimo e, ao invés de resolver o problema de transporte público no Rio de Janeiro, faria o contrário, iria torná-lo pior.  
   Aparentemente seria inexplicável insistir no traçado da primeira imagem, porém, para o traçado original, com a linha 4,  seria necessário fazer um centro de manutenção para a linha e exigiria licitação - principal motivo para o repúdio do governo a essa opção.Em contrapartida o traçado defendido por eles não exige, por se tratar de um prolongamento feito por uma concessionária e a autorização já existir, as obras poderiam começar no instante que o traçado fosse aprovado. 
    A partir da situação exposta temos uma amostra do caráter antidemocrático do governo conduzido pelo governador Sergio Cabral, o prefeito Eduardo Paes e seus respectivos aliados, no qual as decisões que afetam toda a população são definidas de acordo com interesses de cunho pessoal em detrimento ao interesse da sociedade. Como resultado a toda essa polarização das decisões, a população sai com o ônus de obras caras, superfaturamento, dinheiro público sem servir a causa social e, principalmente,a consolidação dessa falsa democracia que destitui qualquer poder de participação política do povo. 

Aborto e aparelho dentário

   São duas situações distintas e, em teoria e prática, nada têm em comum entre si. Porém, essa destacada diferença é interrompida em uma pequena parcela ao analisarmos o que simboliza cada uma.Contudo, o que - considerando esse nível de visão simbólica e direcionada a um certo ponto- representa uma semelhança, essa parece ser esquecida pelo governo brasileiro, por motivos não pertencentes a nenhum âmbito político ou social e, ao mesmo tempo, causadores do aprisionamento das palavras ''Estado laico'' às páginas da constituição apenas.
  Imagine-se, portanto indo ao seu dentista. A consulta, independente se foi paga com o seu dinheiro direto, indireto por meio de planos de saúde ou pelo atendimento público, tem o objetivo de cuidar de uma região do seu próprio corpo. Digamos então que nessa consulta seja detectado a necessidade do uso de aparelho para alguma correção no posicionamento dos seus dentes.Você, detentor das escolhas a respeito do seu próprio corpo, desconsiderando a questão financeira da situação hipotética, irá escolher se quer ou não passar pelo tratamento. Uma situação muito simples e comum.
    Passando para o lado polêmico, imaginem-se agora indo a uma clínica para fazer um exame de gravidez, essa, se confirmada, seria inesperada e desastrosa para a suposta futura mãe.São em casos feito esse que compõe-se a grande quantidade de abortos clandestinos feitos em ''clínicas'' sem o menor suporte para isso. O resultado é conhecido e pré anunciado:muitas mortes de bebês e das mães - constituindo assim um problema de ordem de saúde pública.Ao contrário da decisão de colocar ou não o aparelho, no caso da descoberta da gravidez indesejada- em nenhum momento quero comparar o valor da vida de um bebê com dentes, mas simbolicamente nesse olhar paralelo ocupam posições similares- a mãe, soberana de todo o processo desde a fecundação até o nascimento por esse se passar em seu corpo, tomada sua decisão de julgar-se sem condições de ter aquele filho, é simplesmente impossibilitada pelo Estado de realizar sua decisão de maneira segura e devidamente remunerada se preciso fosse.
     Argumentos religiosos sobre o valor de uma vida vindos da igreja católica, a mesma que é seguida ,em qualquer revisão de sua história, por um enorme rastro de sangue, já é, por si só, incoerente, mas não entraremos nessa questão. Trataremos da maior incoerência de todas, um Estado que diz-se democrático e laico impede a sua população de ter controle sobre seu próprio corpo. É ilógico um modelo voltado- em teoria - para a participação e autonomia do povo na política, ditar regras sobre o que esses fazem com o seu próprio corpo.Além disso, dado o governo em sua função de aparato que representa o povo e age em função de suas necessidades, ignorar o grave problema de saúde gerado pelos abortos clandestinos é um descaso com seu mais essencial papel.
       Por fim, vamos ao que é alegado por membros da igreja e seus seguidores, para isso mais um paralelo que se resume a uma frase: Testemunhas de Jeová não comemoram aniversário. Porém, essa posição não é compartilhada por praticamente toda a sociedade que comemora e muito as datas de nascimento. Independente das diferentes proporções, é a mesma situação a igreja católica com toda a sua representatividade histórica exercer influência nas legislações- que deveriam ser voltadas para servir uma população- em nome do que ela acredita; e, se em situação hipotética, a não tão representativa crença das Testemunhas de Jeová proibisse por lei qualquer comemoração de aniversário.
      Há na essência dessa atitude promovida pelos seguidores mais fervorosos da igreja, uma desaprovação de qualquer outra crença ou descrença que difere da opinião dela nesse debate. Como se quisessem relembrar, por um átimo que seja, o período em que detinha todo o poder ideológico entre os humanos- lembrando que, o aborto sendo aprovado, assim como numa simples ida ao dentista, ninguém irá realizar ambas atividades por puro bom grado ou com algum intuito prévio apenas porque elas estão disponíveis. Restando aos contrários ao aborto a tão difícil e democrática situação de apenas respeitar que outras pessoas não pensam assim - e, veja, morrerão assim menos ''hereges'', pois agora foi dado a eles condições seguras para tomar sua decisão, e, de quebra, ganham mais tempo em vida para que um dia possam quem sabe se converter.

domingo, 1 de abril de 2012

O preço do café

                                                            Parte 1 - O garçom

     Toda sua frustração terminaria naquele momento. O emprego dos sonhos estava na sua mão, assim como as chaves, do carro e da casa, símbolo de sua nova situação. Rafael Matos,agora seu sócio, aparecia convidando-o para uma volta no seu modesto bmw pelo condomínio. A conversa iniciava-se agradável mas aos poucos se perdia feito tudo a sua volta, o condomínio sumira, o carro estava em pedaços com Rafael preso entre seus escombros. Suplicava ajuda enquanto o garçom apenas ria em puro deleite, súbito, toda essa situação dissipou-se; o carro, Rafael em uma morte iminente e ele próprio rindo macabramente, foram silenciados por um som incessante, era o telefone tocando. Coincidência ou não, na tela mostrava o nome de Rafael que o ligara algumas vezes, mas não foi preciso atende-lo, ao ver a hora no mesmo celular, entendia o recado: estava atrasado.
      O caminho para seu trabalho nunca havia sido completado tão depressa, a urgência era máxima, estava chegando atrasado em pleno feriado nacional e perdendo o momento mais frequentado da cafeteria. Ele já podia imaginar, em sua corrida rumo ao destino, toda a horda de turistas que ele atenderia.Porém, apesar de soar como algo maçante, o garçom gostava e muito até de seu emprego, exceto os momentos que era preciso aturar os termos exigentes do seu empregador. No começo foi algo para pura e simplesmente juntar dinheiro para pagar um curso pré-vestibular, mas com o tempo conseguiu ver em certo ponto um entusiasmo em servir, e em poder conhecer pessoas de todo tipo, e vislumbrar-se com suas peculiaridades. Hoje seria um dia cheio disso e por um breve momento sentiu em seu interior um contentamento por essa expectativa. O que não durou muito, pois ele logo foi recebido pelos gritos e pedidos de explicações de Rafael.
      Passado as ameaças de demissão - esta não era a primeira vez que chegou atrasado- o garçom pôs-se entre toda a correria dos outros garçons para atender os clientes que não paravam de chegar. Mais uma vez, viu de tudo, pessoas de todo o Brasil, e apesar de ser uma cafeteria voltada para os que tem uma situação financeira favorecida, havia gente de todas as classes. Ele comovia-se ao ver a felicidade com que os mais pobres pagavam por seus cafés, não importava o quanto aquilo comprometeria uma semana inteira, ou até o mês inteiro da família, eles pagavam orgulhosos por estar em meio a muitos dos ricos da cidade, e, naquele momento, eles estavam no mesmo patamar, tomando do mesmo café. O mais curioso era na hora da gorjeta, que o garçom, mesmo querendo recusar, sabia que não poderia fazer isso, seria menosprezá-los, arrancar o momento alto dos seus dias, mostrar que, embora estejam tomando do mesmo café, não estão no mesmo patamar, e nisso ele as aceitava, sempre as aceitou, até chegar o próximo cliente.
      Ele era claramente um sujeito modesto, um jeito diferente de se vestir,mas ao mesmo tempo que procurava imitar em alguns aspectos as roupas do povo local, estava sozinho e escolheu a sua mesa da mesma maneira que estava caminhando ao entrar, de maneira lenta e atenciosa. Seus olhos percorreram por todo centímetro que havia na cafeteria, com destaque para os preços dos produtos, sempre com um riso de deboche ao vê-los, ensaiando iniciar algum tipo de reclamação. Não o fez, parou, puxou sua cadeira e enfim sentou.
      O momento de maior movimento na cafeteria já havia passado, chegava a hora preferida do garçom, a hora que ele tinha tempo para não só servir, mas poder ouvir e então conhecer as mais diferentes criaturas que por ali passavam, e este cidadão que acabara de entrar parecia chegar na hora certa, mal ele se sentou, o garçom correu para atende-lo, com todo seu jeito cortês e simpático apenas a espera que ele soltasse alguma  coisa sobre ele ou inicia-se uma conversa amistosa que seja. Após o bom dia cordial - sem resposta por sinal- e a tradicional pergunta '' o que gostaria de pedir?'' não houve qualquer tipo de contato visual do cliente, que apenas continuava a examinar minuciosamente cada detalhe do cardápio, não obstante, após esperar um pouco, o garçom finalmente perguntou se ele gostaria de alguma sugestão ou ajuda no esclarecimento de algum dos pratos, mas ele parecia nem ouvir o que dissera, apenas virou perguntando ''De onde vem o café daqui? ''
      Definitivamente não era uma pergunta que se ouvia todos os dias, não se lembrava de nenhum cliente questionar aquilo, e realmente era algo que nunca havia parado pra perceber. Passado a surpresa pela pergunta incomum,  logo veio a mente do garçom a imagem de alguns carregamentos vindos em caixas na parte de trás da loja. Apesar de ser muito esporádico frequentar essa parte, já havia presenciado um desses carregamentos chegando, e disse exatamente isso ao cliente, reforçando que não faz ideia de onde viriam esses cafés. Ele balbuciou dizer algo de pronto, mas decidiu parar, apenas riu, e apontou para o preço no cardápio dizendo: Você sabe quanto grãos de café são utilizados numa chícara daquela? - perguntou apontando para a mesa ao lado - e quanto estão cobrando a cada grama do grão?  A resposta do garçom, que passava a se interessar muito naquele cliente, em ambas perguntas foi não. Contudo, rapidamente cobrou as respostas, para toda a satisfação do cliente que, como se apenas as esperasse,  iniciou seu discurso.
     De início não teve nada de café, contou sua história de vida, do tio avô mais distante até sua ascenção  como fazendeiro em Goiás. Porém, enquanto continuava a vangloriava-se de seus feitos mais longínquos, o garçom - que apesar dele não parecer qualquer outro cliente, já tinha experiência em contadores de histórias- o impediu perguntando: o senhor veio mesmo interessado em tomar um café? o que foi prontamente respondido com um '' eu estava, até que vi esse preço...'' e recomeçou sua história agora de maneira mais direta, não demorando muito até revelar sua relação com aquela cafeteria: ele era o fornecedor do café.
     Após tomar conhecimento desse fato principal o garçom se perguntava a intenção do fazendeiro, já que que ainda estava tudo muito imprevisível àquela altura, a chegada com olhar atento aos preços, os risos,e o relato do quanto era super valorizado o grão de café que ele vendia, deixam-no sem saber como se posicionar, ora também se revoltava pois ele era explorado também, o preço cobrado pelo café dava, com uma boa margem de lucro, para aumentar e muito as economias do jovem garçom, porém, ora também via, ou melhor, desconfiava de uma certa malevolência no fazendeiro,cogitando que sua vinda e todo o discurso comunitário poderia ser um pequeno teatro para uma viagem com interesses bem individuais.
     Resolveu, por fim, tomar a atitude de observar preferencialmente, mas sendo essa a intenção do fazendeiro ou não, seu discurso era bem indecifrável, até o momento de sua pergunta sobre o salário para os empregados da cafeteria. Ao dar a resposta ouviu-se um brado, todos os funcionários e clientes olharam para a fatídica mesa tamanha era a gesticulação e emoção nas palavras do fazendeiro, dizia ele: Eu já trabalhei em lavoura, no campo, em loja, fui assim que nem você, mas sempre estive atento aos meus patrões, esse cara poderia tranquilamente aumentar em 200 reais o salário de cada um aqui, cadê ele? o café que ele vende é meu, quero conversar com ele'' Após toda essa revolta foi impossível ele não ter o apoio do garçom, e nem precisava, porque graças ao escândalo colocou todos no ambiente com raiva do dono, Rafael Matos, que, por sinal estava presente e se aproximou assim que viu a algazarra em sua cafeteria, pegando boa parte do discurso que o difamava. Político como é, não enfrentou o fazendeiro, pelo contrário, veio a mesa da maneira mais doce possível dizendo: ''Há alguma coisa que esteja incomodando o senhor em nosso estabelecimento? eu sou o dono, qualquer reclamação pode se dirigir a mim, aliás, acredito que já nos conhecemos, sua voz não me é estranha''.
    O tom de revolta do fazendeiro fora embora, e como se tornasse outro, respondeu no mesmo tom para, logo em seguida, ser chamado para uma conversa mais particular. Rafael ignorava os olhares de todos os garçons, e este em especial, que retratamos, tinha uma grande dose de raiva e ao mesmo tempo felicidade no olhar lançado. Embora tenha sido negligenciado por Rafael, sentiu como se conseguisse mostrar ao seu patrão como foi bom vê-lo exposto aos seus clientes. A satisfação do garçom só não foi maior que sua curiosidade pelo desfecho da conversa, mas ele, assim como todos no local, não puderam acompanhar o seu andamento, a porta fora rapidamente fechada, e aos garçons, só restava esperar.

                                                       Parte 2 - Rafael Matos
     
      Iniciava mais um dia atípico para Rafael, não bastasse o dia anterior, esse que estava por vir reservava ainda mais surpresas ao empresário bem sucedido que, nesse momento, passara a repensar se foi realmente bom entrar no ramo do comércio.No lado econômico não tinha do que se arrepender, a loja lhe rendia lucros enormes e caiu no gosto da população local. Todos foram hipnotizados pelo principal lobby da requintada cafeteria: era utilizado o café brasileiro de primeira qualidade, aquele mesmo resignado à exportação apenas e nunca a esses tupiniquins terceiromundistas.
       Realmente, ele dispunha desse luxo, seu vasto jogo de alianças construído em sua carreira de empresário lhe fez conhecer boa parte dos poderosos do Brasil.E também os que não são mais tão poderosos como antes, tendo, para esses dois grupos, igual atenção. Assim conheceu o senhor Alberto Rodrigues, fazendeiro decadente, contudo, ainda influente e respeitado. Apesar dos negócios no café não irem bem, o nome vindo de berço lhe rendia ainda muito espaço nas rodinhas elitistas do país.Esse, por sua vez, Sabia do panorama nada alentador da economia de seus compradores e conhecendo o interesse de Rafael em expandir seus negócios, viu nele a chance de continuar a lucrar com seu café.A proposta foi vista com bons olhos, o atrativo do café da melhor qualidade citado era certeza de sucesso no novo empreendimento.
       Não demorou para a cafeteria começar a ser construída. No início as quantias envolvidas deixavam os dois envolvidos bem satisfeitos, Alberto estava seguro e Rafael tinha mais uma grande fonte de lucros nas mãos, nada parecia poder estremecer essa relação. Todavia, o belo e perfeito castelo de areia que era a relação dos dois após certo tempo começou a ruir. A exportação, principal fonte de renda de Alberto, diminuía e seus compradores europeus vinham retirando o café, produto supérfluo que é, da lista de alimentos a serem importados.Paralelamente Rafael via o fazendeiro cada vez mais nas suas mãos, já que a quantia paga pela sua loja tinha um preço superior ao que Alberto encontraria em outros lugares, até mesmo no caso de exportar seu café.
        Chegamos assim, ao conflito que dá inicio aos acontecimentos do nosso texto meus caros. Alberto deseja (e precisa de qualquer maneira) reunir seus compradores para negociar um aumento do preço do seu café. Alguns desses aceitam, em prol de manter a boa relação com o fazendeiro, mas não Rafael. Nega veementemente qualquer aumento, instalando assim um obstáculo difícil e que precisa urgentemente ser tirado do caminho de Alberto. Pôs o seu orgulho de lado e viajou rumo a cafeteria de Rafael, decidido a conseguir seu reajuste.  
      Terminado o parênteses que explica a situação inicial , voltamos ao dia que estava sendo descrito nesta parte dedicada (agora sim integralmente) ao empresário.
      Independente do quanto não suportava ir a cafeteria auxiliar no atendimento, tentava focar na ideia de que mostraria aos clientes a imagem de dono presente, dedicado e o mais importante, que não se importa de estar ali, do lado e ainda mais significante, servindo a qualquer um que fosse não importando as quantias que estes carreguem em seus bolsos.
     No caminho, tomara de maneira sórdida a decisão de reconsiderar o modo que passaria a contratar seus novos funcionários. O modo e os perfis desejados.'' A partir de hoje só contrato testemunhas de jeová, trabalharão menos tempo, mas pelo menos são obedientes'' pensara ele consigo mesmo, gerando uma risada contida no canto de sua boca. Mas, por hora, quis parar de pensar nesse assunto que tanto o estressa para abrir a janela do carro e, em completo relaxamento e satisfação, respirar o ar impuro e sentir o som caótico da cidade penetrar em seus ouvidos em perfeito uníssono.Sua tranquilidade não durou muito, logo retomou a si ao ser abordado por pedidos de alguns trocados ínfimos. Após negar o favor, fechou rapidamente seu vidro para então poder seguir em segurança o restante do caminho.
     Chegou na cafeteria com essa começando a ter um bom movimento. Distribuiu bom dias, tratou da maneira muito amigável os poucos garçons que restavam e foi nas mesas fazer aos clientes suas clássicas perguntas.Tudo corria muito tranquilamente e aquela turbulência do dia anterior parecia ter acontecido a décadas atrás ou em outro lugar bem distante dali. Rafael definitivamente não podia esperar algo melhor.
          
                                                          Parte 3 - Alberto Rodrigues
           
     Ainda na reunião, a medida que soltava seus argumentos, Alberto via que uma de suas peças chave para continuar seus lucros - a parceria com Rafael - decididamente não cederia à sua persuasão para um aumento no preço pago. Começou então a arquitetar um modo para conseguir convencer o promissor empresário.Sabia que para isso era necessário uma negociação mais individual, algo além desta reunião voltada para vários compradores.
       Entrava em jogo o poder da família Rodrigues e Alberto, como é de imaginar, fora criado pra saber usufruir bem disso. Reuniu então uma rede de possíveis favores que em muito poderiam interessar Rafael e pensou na maneira ideal de abordá-lo: criar uma situação de desordem na própria cafeteria, o que ameaçaria manchar sua imagem em plena loja; Isso, como sabemos, é visto como abominável por qualquer dono de um empreendimento, ainda mais quando há o vislumbramento de lançar-se em cargos públicos.
       Separou em seu guarda roupa as vestes que lhe deixavam a caráter de um modesto agricultor. Pôs chinelos, bermuda, camiseta e preparou seu vocabulário de interior - aprendera todo o comportamento de pessoa simples, trabalhadora do campo ainda quando era criança, já que nessa época, contra a vontade dos pais, insistia em ficar com os trabalhadores da sua fazenda.Isso lhe rendeu saber representar magnificamente bem esse estereótipo- para ainda cedo pegar o avião e ir de encontro à cafeteria de Rafael.
       O momento da visita não poderia ser melhor, era feriado, a loja com certeza estaria em seu dia de maior movimento. No entanto, chegaram pouco após o período de maior movimento, o que não era o maior dos problemas, as idas e vindas de clientes ainda eram consideráveis. Decidiu então entrar naquele instante, de modo que sua presença fosse notada pelos garçons. Passava examinando e andando de maneira peculiar, via os olhares voltando-se para ele, porém um em especial mirava sua imagem de maneira especial. Alberto percebeu, sentou na mesa mais próxima e ficou a esperar seu atendimento que, como já descrevemos, aconteceu rapidamente. A cada palavra e gesto do garçom Alberto se satisfazia mais, via nele a escolha perfeita para atingir seus objetivos, seus olhos mantinham uma vívida faísca de esperança e mostravam também grande curiosidade pelo fazendeiro. Perguntou, inicialmente, de onde vinha o café da cafeteria, seguido de outras indagações que já conhecemos, querendo testar o conhecimento do garçom e aguçar sua curiosidade. Após a confirmação do que esperava o caminho estava livre para Alberto influenciar o jovem garçom:
- Você, meu rapaz, trabalha aqui a quanto tempo?
- A pouco mais de um ano, vim querendo juntar algum dinheiro para estudos mas acabo que tomei gosto por servir
- Eu vejo, eu vejo. Por isso me sentei aqui, perto de onde estava. Você lembrou eu mesmo quando mais novo, mantinha esse mesmo entusiasmo.
-  O senhor também servia de garçom? (disse após um sorriso embaraçado e um certo silêncio)
-  Meu rapaz, eu já trabalhei em todos os lugares que pode imaginar,mas principalmente no campo.Ah sim, lá é meu lugar, trabalhei muito com a enxada na mão.
- entendo... (sua frase foi cortada no meio por Alberto, que, súbito, começou a gritar)
- Eu sou do interior rapaz, do tempo em que meus amigos morriam de fome porque ninguém pagava a eles, só ganhávamos comida e comida muito ruim por sinal. Com 5 anos, veja só! com 5 anos eu já trabalhava; Aos 13, com meu esforço arranjava o que comer não só pra mim e mas pros meus irmãos também.E sabe por que eu, justo eu conseguia isso? Nunca deixei me explorarem! É, foi assim até meus 20 anos, que, após perder meus pais, meus tios de Goiás vieram me buscar e levar pro pedacinho de terra deles, mas com uma condição! tinha que trabalhar e eu trabalhei muito, produzi de tudo naquele pedacinho de terra, fui vendendo por conta própria e arranjando dinheiro. Com meu próprio suor, nada além disso, fui comprando outras terras até que eu fui pra cidade, comecei de garçom no rio de janeiro ( nesse momento foi interrompido)
-Com licença, mas o senhor veio mesmo interessado em tomar um café?
-Ora, eu estava, até que vi esse preço e me indignou demais. Vejo que me estendi não é meu caro? (respondeu Alberto agora bem mais comedido. Notara que o garçom não era tão idiota, decidiu interromper o tom exagerado)
-Está tudo bem senhor, me interessei bastante na sua história
- Eu vi, vejo que se identifica, chegarei logo onde quero. o fato é que após muito suor na cidade também, sem nunca deixar patrão nenhum me explorar, voltei pra Goiás e hoje tenho grandes terras, local onde planto café, esse café daqui, o mesmo que está naquela mesa a nosso lado. Eu que o forneço.
- Nossa, isso explica as perguntas iniciais (falou o garçom após percebidamente chocar-se com a notícia)
- Exato, vejo que entende onde quis chegar com todas essas histórias. me diga se não for um abuso rapaz: o quanto ganha?
 - Senhor, nós somos terminantemente proibidos de falar isso, mas é como vejo que quer ajudar... ganhamos 450, menos que o salário mínimo. Rafael faz de tudo pra esconder de todos esses números, ameaçando o nosso emprego já que se não aceitarmos, muitos outros irão e isso é verdade. Além do que né... ele provaria facilmente que estamos mentindo caso tentássemos expor essa situação.
      Alberto tremia-se de felicidade, tinha alcançado até mais do que precisava, não pensou duas vezes antes de bravejar:
- Eu já trabalhei em lavoura, no campo, em loja, fui assim que nem você, mas sempre estive atento aos meus patrões, esse cara poderia tranquilamente aumentar em 200 reais o salário de cada um aqui, cadê ele? o café que ele vende é meu, quero conversar com ele.
       Percebendo toda a confusão e gritaria em sua loja, saiu da cozinha imediatamente para ver o que havia de errado.Ao abrir a porta, um susto: Alberto estava no meio de toda aquela confusão.Rafael logo retomou a calma e foi decidido a desmanchar toda a algazarra criada pelo fazendeiro:
-Há alguma coisa que esteja incomodando o senhor em nosso estabelecimento? eu sou o dono, qualquer reclamação pode se dirigir a mim, aliás, acredito que já nos conhecemos, sua voz não me é estranha.
- Ah seria bom, gostaria muito de conversar com o senhor, se não for um incômodo; e, realmente, sua voz não me é estranha.
       Toda a atenção se volta pros dois e a satisfação está estampada no rosto de Alberto, conseguira cumprir de maneira talvez mais que perfeita seu objetivo inicial, agora vinha a parte mais importante.Rafael querendo apaziguar os ânimos do ambiente, rapidamente chama Alberto para um conversa particular, a portas fechadas.
- Vejo que a compostura e o bom senso são termos que não existem para vocês... Pelo jeito anda tendo contato demais com seus trabalhadores Alberto, não acha? - dizia Rafael agressivamente.
-As vezes um pouco de contato humano é bom não acha? um bom tratamento... nada de excepcional que eu digo, mas uma carteira assinada já bastaria, um salário mínimo que seja...
- Agora sim eu tive a certeza Alberto, realmente andou se misturando demais com os porcos. sabe que seguindo o ditado vai acabar ficando como eles.
- Isso é uma ameaça meu caro? não venho gostando desses seus termos. Vim aqui para uma proposta amigável e com certeza muito proveitosa a você. Não desperdiçaria isso com palavras raivosas ao vento.
- Tudo bem, acho que ambos exageramos até aqui, diga-me sua proposta - disse retomando a postura calma.
- Pois bem, apesar de que só em saber do seu descaso com seus pobres empregados eu poderia muito bem conseguir o que quero. Você, me conhecendo, sabe que não é essa minha conduta. Manterei a proposta que decidi fazer ao sair da nossa reunião. Proponho o mesmo aumento do preço do meu café que lhe expus na reunião e coloco você em meu esquema de grilagem de terras lá pelo norte do Brasil. E, é claro, de bônus, consideramos desse modo, ninguém nunca ouvirá falar de salários abaixo do mínimo e muito menos de falta de carteira assinada, lhe garanto.
       O aperto de mão foi de grande euforia das duas partes, o castelo de areia fora remontado e saíram para a cafeteria juntos, abraçados, com um interminável sorriso no rosto. A cena tranquilizou todos os clientes e os garçons. Exceto um, é claro, que retorcia-se de raiva por ver toda a cena que Alberto estava encenando. Para completar, os dois naquele clima fraternal, sentaram exatamente na mesa mais próxima do garçom em questão e foi chamado por Rafael para trazer o ''melhor café do brasil'' para eles. De maneira mecânica, o garçom, ainda com uma raiva incontida foi à cozinha e os trouxe o café; inexplicavelmente, continuou lá, apenas assistindo aquela cena que o enojava. Seu estado de hipnose foi interrompido pelo chamado de Alberto, dizendo algum elogio gentil ao garçom e dizendo fazer questão de dar uma bela gorjeta a ele.
                                                         
                                            Parte final - A realização de um jovem ex garçom
   
     Essa parte derradeira e decisiva para dois dos nossos principais personagens merece, antes de mais nada, uma pequena explicação prévia que se dá dentro da própria memória do garçom, uma história que só ele conhece já que apenas seu consciente soube disso. Sem mais delongas, a volta ao tempo se dá em uma noite de circo, maior atração possível da humilde cidade. Seus olhos rodeavam incrédulos e admirados pela barraquinha modesta que ele acabara de entrar. Os assentos estavam lotados e nem a infra estrutura precária foi suficiente para tirar o brilho daquela apresentação para o menino.Tudo era como parte de um sonho e como tal, este, uma hora, deveria acabar.
     Inclusive não demorou a acabar, todo o estardalhaço dos artistas do circo fora abafada por um som mais potente e significativo. Era o som de máquinas, ''gigantes com rodas'' dizia o menino ao vê-las.Sua curiosidade inicial se dissipava ao perceber o semblante de cada um de sua comunidade, o de sua mãe, contudo, fora o que mais lhe fez estarrecer. O medo era visível em sua postura, a ponto de, assim que ela se conformou com o que estava prestes a acontecer, não suportou e pôs-se a chorar olhando para o menino.
      Os homens que comandavam as máquinas mostravam-se indiferentes a toda a multidão que vinha abordá-los. O menino, a essa altura tinha por volta de seus 8 anos, nunca tinha sentido tanto medo, nunca vira cena tão infeliz. A visão de sua mãe chorando era novidade em toda sua vida, e lhe deu certeza que estava por vir algo muito ruim e partiria daqueles homens,ou melhor, daquelas máquinas.Sua raiva por eles era imensurável, o desespero que eles traziam para toda aquela gente - sua família, amigos e vizinhos- permaneceu inexplicável por algum tempo, até retornar ao local de sua antiga casa e ver, ao invés dela, um estádio em construção.
      Após essa noite, o menino foi crescendo, chegando a adolescência e após algum estudo descobriu o que eram aquelas máquinas, sem diminuir, é claro, o ódio por elas e todo o significado das ações daquela noite. É a partir desse ódio contido dentro de si por tanto tempo que retornamos para a conclusão de nossa história.
      O dinheiro oferecido ao garçom nas mãos de Alberto lhe rendeu um flashback. Lembrou imediatamente da noite do circo, dos homens que saíram de carros, acompanhando as máquinas, trocando grandes quantias daquelas notas. Recusou-as com desdém e, sendo essa uma ofensa intolerável, Rafael pôs-se imediatamente a começar a dizer que ele estava demitido. Porém, não pôde fazer isso, não fora rápido o suficiente. O garçom àquela altura já havia pedido a própria demissão e se retirava da loja.Naquele momento crescia dentro dele a lembrança do dia mais triste de sua vida e a fúria que esse lhe despertava, sentia que, finalmente, deveria se virar contra aqueles que arrancaram sua casa - nesse momento, via em Rafael e em Alberto, seu exemplo mais próximo dos homens que comandaram seu despejo. Eram, para ele, a fonte de sua infelicidade.
       Iniciou o dia seguinte e Rafael, pela recente demissão, estava mais uma vez com a necessidade de ir ajudar no atendimento em sua cafeteria, o que também era do conhecimento do garçom, ou melhor, do ex-garçom. Ele, por sua vez, passara a noite do dia anterior e a manhã se preparando para os acontecimentos que iriam se suceder. Seu pensamento estava numa excitação febril e, apesar da sua inconstância emocional, estava muito convicto no seu objetivo. Colocara na sua cabeça que aquele era o seu dia, o dia dos que também eram garçons na cafeteria e dos que tiveram suas casas despejadas.          
       Voltamos, nesse momento, a parte 2 da história, no momento de total tranquilidade - e surpresa por isso- de Rafael por como se encontrava sua loja, sem nenhum resquício do conturbado dia anterior. Essa tranquilidade se deu até chegar o momento de maior movimento da loja, foi quando se deu o fato que surpreendeu a todos. O ex garçom, agora sem as roupas do seu trabalho entrava de maneira absolutamente tranquila na loja, sendo imediatamente identificado por todos que trabalham por lá, inclusive Rafael. O espanto no rosto de todos era talvez até maior do que ele esperava, '' um começo perfeito'' pensou para si mesmo.
      O encontro inesperado deixou Rafael sem reação e logo imaginou que o ex garçom pediria o emprego de volta. Aproximou-se dizendo com absoluta convicção:
- Então, alguém por aqui se arrependeu do emprego que perdeu ontem?
- De jeito nenhum Rafael, foi uma das melhores decisões que já tomei.
       O semblante dele mudou, Rafael não acreditava no que ouvia e passou a notar com estranheza a inconstância do olhar do ex garçom. Desejava de uma vez por todas entender o que ele veio fazer ali.
- Sendo assim não posso entender o que lhe fez voltar aqui.
- Estou proibido de consumir alguma coisa aqui? como qualquer cliente seu.
- Haha! Vá embora garoto, você mal pode pagar uma xícara de café. Não continue se humilhando insistindo em ficar aqui.
        Balbuciou alguma resposta o ex garçom, mas sua ira e ansiedade estavam tão difíceis de conter que decidiu parar sua fala. Virou as costas e passou a andar como se fosse embora  da cafeteria, sem deixar, no entanto, de ouvir palavras de compaixão à sua suposta infelicidade e humilhação que se fizera passar. Via que deveria agir naquele exato momento, procurou manter a calma e organizar as palavras que iria dizer. Parou na entrada da loja, olhando fixo para Rafael e com uma inesperada tranquilidade puxou de sua roupa o objeto que lhe daria a atenção de todos.
- Você - apontou para Rafael - você causou tudo isso, para todos nós. - diz o ex garçom em completa perturbação.    
Instalou-se um cenário de caos, os clientes entraram em desespero - aquilo lhe lembrou o dia que perdeu sua casa.Viu também Rafael, sempre tão político e sem demonstrar emoções extremas, declarava por seus olhos, que estremecia de medo ao ver o sadismo presente em seu ex empregado.
- Fiquem todos calmos, ninguém inocente irá se machucar aqui. - tranquilizou o ex garçom- É só vocês atenderem minha vontade de que todos continuem aqui para ver, a partir do meu relato, o quanto aquele homem ali - apontava para Rafael - é indigno do próprio ar que respira.
     Todos voltaram o olhar para Rafael que mal conseguia pensar em algo para se defender, apenas continuou a ouvir o que o ex garçom dizia.
- Esse senhor, que agora treme de medo perante a mim,aponta para todos que trabalham aqui algo muito pior, ele é exemplo do que há de pior nessa vida. Todos esses que vocês veem, os que estão lhes servindo, recebem menos que um salário mínimo, é isso mesmo. Tudo em troca da manutenção da mansão desse senhor na minha frente. Eu, inclusive, gostaria de pedi-lo um singelo favor Rafael, poderia fazer por mim?
        Rafael balançou a cabeça mecanicamente a medida que o ex garçom aproximava-se apontando para ele. Posicionou-se às suas costas, Rafael sentia em sua nuca a pistola que, pelo estado do ex garçom, julgava poder dar fim a sua vida a qualquer momento. Ele apenas seguia o caminho que lhe era recomendado, enquanto todos a sua volta assistiam como se fosse um teatro - ''justamente o que ele queria'' pensou Rafael. Realmente, o ex garçom tinha tudo exatamente como ele queria, não havia pânico na ''plateia'', era até perceptível um certo apoio ao que ele estava fazendo. Ele, como se considerasse aquele o momento áureo de sua  vida, se deliciava internamente com a humilhação passada por Rafael, faltando pouco para sentir-se bem sucedido em sua ''vingança''. Esse pouco consistia no favor pedido, o que seria o ponto máximo do que ele planejou fazer.
       A ideia estava sendo posta em prática, conseguira fazer Rafael chegar até o caixa da cafeteria e visivelmente realizado, mandou que pegasse todo o dinheiro que ali estava e rasgasse todos eles. Aquela quantia que obviamente não significava nada para as economias do seu ex patrão, estabelecia no pensamento do ex garçom, a materialização da metáfora que melindrosamente imaginou. A ironia implícita na situação, do tirano se desfazendo do próprio objeto que dá origem à sua tirania ganhou ares, por menor que durasse,de vingança não só para o ex garçom, mas também para todos trabalhadores daquele ambiente.Não obstante, um ímpeto vindo do interior do ex garçom, ou melhor do menino que estava no circo, não se conteve em apenas assistir a cena, não se sentiria completamente vingado, sentia precisar de mais, via na humilhação passada por Rafael muito pouco em relação ao que ele, o menino, passou. Dando, a partir dessa sua nova obsessão, outros rumos ao que inicialmente desejava fazer.
       Marcado por um som cortante, seguido de um silêncio estarrecedor,o ato se apresentou a todos que ali se encontravam; de significado único, de causas diversas e históricas, um átimo que, de uma maneira discutível e quem sabe insensata, concretizou, por mais politicamente incorreto que pareça ser, uma sensação de justiça. A cena, apesar da violência contra outra pessoa indicar algo que qualquer ser humano repudiaria, não foi vista dessa maneira, não para todos que estavam no local, tamanha era a emoção do ex garçom. Ele, por sua vez, estava entre o êxtase incontido e o choro infantil. Teve, ao menos naqueles minutos, a sensação de completa satisfação. Sentiu, enfim, a justiça pelo seu despejo e, no choro de Rafael, ao ser atingido, a vingança pela dor de sua mãe; e tendo essas duas coisas gravadas em sua memória, julgava não precisar de mais nada.
        O ex garçom, apesar de julgar-se plenamente satisfeito, após o episódio se tornou famoso e, com isso, ganhou nome. Chamava-se André Luiz, um nome até então comum, porém, nas semanas que sucederam o acontecido passou a significar sinônimo de barbárie. Em contrapartida, os outros garçons, operários, cozinheiros, engenheiros ou qualquer outra profissão que não esteja na posição de apenas lucrar em cima de empregados, continuaram sem nomes, despercebidos e obedientes. Afinal, ''vingança'' a parte, o ex garçom foi imediatamente para a cadeia; enquanto Rafael, agora pagando salários mínimos, passados alguns dias nos melhores hospitais do país, tornou a comandar sua cafeteria, tomar posse de terras em áreas de preservação ambiental, gerenciar suas empresas, lançou sua candidatura...  
                 
 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Você

Você, que ornamentou toda cidade
inaugurou a santidade
que é a dona desse carnaval...

ah, você, exonerou os meus percalços
se debruçou nos meus amassos
me pediu sonhando um buquê... pra que?

você, se escondeu por seus recantos
mas me lembrei dos seus encantos
por que chorar se o que quero é você

pra que? se há dois corpos se amando
num gesto raro, pôs me santo
não tenho mais o que querer...

ah, eu sei, havia um quê de ser, não ser
e ver você toda a mercê
era bem mais... do que posso correr

Você, me descobriu nem eu sei como
ludibriou a esses tantos
que nunca mais hão de ver mulher assim...

por quê, você quis me escolher?
era destino ou seu querer?
feliz quem tem a dona desse carnaval...

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Chega de saudade...

  É como formigamento, começa no mindinho, vem se apoderando por todo o corpo, subindo, naquela torrente de sentimentos incompreendidos, e ao subirem, se aproximam da compreensão,nisto ponho-me a escrever na felicidade mais pura percorrendo os olhos, que avistam cada palavra que surge, e se mostram sem nenhuma vergonha permitindo tudo isso decorrer por meus dedos. Não descarto, é verdade, que seja passageiro, temos dessas coisas, mas é como convicção irrefutável, um otimismo interrupto que minha alma canta em silêncio por agora.
 Sim, assombrei-me por tempos, a cama que me foi tão confortável e dolosa perdeu seu sentido quando defronto com seu rosto, sinto que esse triste e pesado período está com o fim próximo, tanto que anseio com toda força terminar de vez esse texto, é como a marca, a estaca que o porá em seu fim derradeiro.
  Pois então que terminemos, que vire-se a página, afinal de contas, de todos os assuntos que colocarei aqui, esse é o que menos merece se estender e se ainda há algo a dizer, os deixo com um pouco de João Gilberto para fazer isso por mim.

''Vai minha tristeza
e diz à ela
Que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
Chega de saudade, a realidade é que sem ela
Não há paz, não há beleza, é só tristeza
E a melancolia que não sai de mim, não sai de mim, não sai
Mas se ela voltar, se ela voltar
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca

Dentro dos meus braços os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio de viver longe de mim
Não quero mais esse negócio de você viver assim
Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim'' 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Ah esses ditos infundados, nos enchem até o talo,
faz-se poetas a custo de meia palavra,
faz-se dinheiro por cópias de outras cópias

É num gesto bondoso, que vos declaro:
a sina nos persegue desde os primeiros passos
rodearam essas terras e entraram por nossas janelas

Mas não nos desesperemos, não ainda,
há a prosa que nos salva, há a bossa que nos recolhe
e há luz por entre as ondas, diluídas nessa profundeza gélida

Visíveis apenas aos olhos que sobrevoam a aurora,
os mesmos que morrem em sua descida derradeira
ao buscar seu alimento submerso, 
ah,como somos tolos,
profetas embriagados rogando por qualquer consolo

Mas em aparentes palavras tortas,desconjuntadas 
tratemos de repudiar no íntimo os inoportunos desta vida,
eis que, pouco a pouco, faz-se o irreal
e torna-se sólido o repleto de abstrato
até que, um dia, rendam-se todos à beleza de nosso ideário.