sexta-feira, 13 de abril de 2012

Aborto e aparelho dentário

   São duas situações distintas e, em teoria e prática, nada têm em comum entre si. Porém, essa destacada diferença é interrompida em uma pequena parcela ao analisarmos o que simboliza cada uma.Contudo, o que - considerando esse nível de visão simbólica e direcionada a um certo ponto- representa uma semelhança, essa parece ser esquecida pelo governo brasileiro, por motivos não pertencentes a nenhum âmbito político ou social e, ao mesmo tempo, causadores do aprisionamento das palavras ''Estado laico'' às páginas da constituição apenas.
  Imagine-se, portanto indo ao seu dentista. A consulta, independente se foi paga com o seu dinheiro direto, indireto por meio de planos de saúde ou pelo atendimento público, tem o objetivo de cuidar de uma região do seu próprio corpo. Digamos então que nessa consulta seja detectado a necessidade do uso de aparelho para alguma correção no posicionamento dos seus dentes.Você, detentor das escolhas a respeito do seu próprio corpo, desconsiderando a questão financeira da situação hipotética, irá escolher se quer ou não passar pelo tratamento. Uma situação muito simples e comum.
    Passando para o lado polêmico, imaginem-se agora indo a uma clínica para fazer um exame de gravidez, essa, se confirmada, seria inesperada e desastrosa para a suposta futura mãe.São em casos feito esse que compõe-se a grande quantidade de abortos clandestinos feitos em ''clínicas'' sem o menor suporte para isso. O resultado é conhecido e pré anunciado:muitas mortes de bebês e das mães - constituindo assim um problema de ordem de saúde pública.Ao contrário da decisão de colocar ou não o aparelho, no caso da descoberta da gravidez indesejada- em nenhum momento quero comparar o valor da vida de um bebê com dentes, mas simbolicamente nesse olhar paralelo ocupam posições similares- a mãe, soberana de todo o processo desde a fecundação até o nascimento por esse se passar em seu corpo, tomada sua decisão de julgar-se sem condições de ter aquele filho, é simplesmente impossibilitada pelo Estado de realizar sua decisão de maneira segura e devidamente remunerada se preciso fosse.
     Argumentos religiosos sobre o valor de uma vida vindos da igreja católica, a mesma que é seguida ,em qualquer revisão de sua história, por um enorme rastro de sangue, já é, por si só, incoerente, mas não entraremos nessa questão. Trataremos da maior incoerência de todas, um Estado que diz-se democrático e laico impede a sua população de ter controle sobre seu próprio corpo. É ilógico um modelo voltado- em teoria - para a participação e autonomia do povo na política, ditar regras sobre o que esses fazem com o seu próprio corpo.Além disso, dado o governo em sua função de aparato que representa o povo e age em função de suas necessidades, ignorar o grave problema de saúde gerado pelos abortos clandestinos é um descaso com seu mais essencial papel.
       Por fim, vamos ao que é alegado por membros da igreja e seus seguidores, para isso mais um paralelo que se resume a uma frase: Testemunhas de Jeová não comemoram aniversário. Porém, essa posição não é compartilhada por praticamente toda a sociedade que comemora e muito as datas de nascimento. Independente das diferentes proporções, é a mesma situação a igreja católica com toda a sua representatividade histórica exercer influência nas legislações- que deveriam ser voltadas para servir uma população- em nome do que ela acredita; e, se em situação hipotética, a não tão representativa crença das Testemunhas de Jeová proibisse por lei qualquer comemoração de aniversário.
      Há na essência dessa atitude promovida pelos seguidores mais fervorosos da igreja, uma desaprovação de qualquer outra crença ou descrença que difere da opinião dela nesse debate. Como se quisessem relembrar, por um átimo que seja, o período em que detinha todo o poder ideológico entre os humanos- lembrando que, o aborto sendo aprovado, assim como numa simples ida ao dentista, ninguém irá realizar ambas atividades por puro bom grado ou com algum intuito prévio apenas porque elas estão disponíveis. Restando aos contrários ao aborto a tão difícil e democrática situação de apenas respeitar que outras pessoas não pensam assim - e, veja, morrerão assim menos ''hereges'', pois agora foi dado a eles condições seguras para tomar sua decisão, e, de quebra, ganham mais tempo em vida para que um dia possam quem sabe se converter.

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